Por Cristiano Lima*
Quando a interserccionalidade dialoga com a deslegítimação do lugar de fala de uma mulher negra, periférica, de candomblé e que disputa a cultura contra – hegemônica da Instituição Polícia Militar.
A Interserccionalidade é uma teoria cunhada por Kimbeli Crishew, pesquisadora estadunidense que apresenta como as mulheres negras sofrem nos acúmulos de opressões sociais, para isso ela apresentou um exemplo concreto de como isso ocorreu utilizando as reivindicações das mulheres negras que eram excluídas em uma fábrica da montadora General Motos nos EUA, e lá trabalhavam homens negros na linha de montagem, e mulheres brancas no escritório, as mulheres negras, não eram contratadas para o serviço da linha de montagem porque era considerados de homem, e não eram contratadas para o escritório por que não tinha o “perfil” , e para as leis americanas elas (as mulheres negras) não poderiam processar a fábrica, já que não era racismo, pois tinha negros trabalhando lá, e não era sexismo pois tinha mulheres trabalhando, logo a sobreposição de várias opressões, levaram as mulheres negras a uma encruzilhada das opressões, logo tornando –as invisibilizadas.
Dialogando no contexto de Salvador, onde temos também nossa grande pesquisadora, Assistente Social, e Doutoranda Carla Akotirene, que além de apresentar a Interserccinalidade como uma teoria, propõe uma problemática das opressão das mulheres negras, e apresenta como um método de análise o racismo como um todo, já quer o racismo sempre vem carregado por outras discriminações, por exemplo, sempre ouvimos a frase: “ além de negro, gay!” quer dizer que o racismo por ele ser negro e homofobia por ele ser Gay, e essa derivação valem para a maioria das opressões que os negros e negras sofrem nessa sociedade. O racismo sempre chega antes, pois ele é o basilador nas estruturas de opressão.
Nos últimos dias seguindo no calor da angustia de alguns e algumas irmãs/os, negras/os depois de não ter gostado da escolha da representante do PT para a disputa da Prefeitura de Salvador, onde foi escolhida a Major Denice Santiago, em detrimento de Vilma Reis e Juca Ferreira, todas essas pessoas citadas com imenso serviços prestados a sociedade. Ouvi uma enxurrada de criticas nas redes sociais ao processo da escolha e da candidata escolhida.
Em uma conjuntura de quarentena epidêmica, em um espaço virtual onde os Delegados /as foram eleitos/as no último processo de eleição interna do partido (2019), onde eram responsáveis por essa escolha, (46) pessoas, além disse contou ainda com os/as 20 presidentes zonais também eleito/as, além de deputados/as, secretários/as de Estados, dirigentes Estaduais e Nacionais como observadores do processo, no total foram entorno de 100 pessoas, no processo final que começou no meados de 2018 e finalizou depois de 10 horas de debates no dia 26/04 do ano corrente, onde foi decidida a escolha de Denice Santiago com 71% dos votos.
Algumas questões a serem pontuadas sobre Denice Santiago, nos seu 30 anos de serviço público, ao chegar na Polícia Militar já sofreu discriminação de gênero, ela foi da 1ª Turma de mulheres, em uma instituição fundada a mais de 165 anos ( na época) só por homens, na oportunidade fundou um Núcleo de Mulheres da PM em Homenagem a Maria Felipa, mulher negra guerreira que liderou 40 mulheres contra saldados portugueses na luta pela independência da Bahia; ela trabalhou na Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres do governo do Estado da Bahia, fez um trabalho na área de gestão e acolhimento das mulheres que sofriam violência domestica, em seguida voltou para a PM construiu e coordenou o Programa Ronda Maria da Penha, responsável por cuidar da vida das mulheres que sofreram violência domestica, programa pioneiro que a rendeu vários prêmios internacionais.
Nesta trajetória, Denise acumulou muitos admiradores fora dos quartéis e muito desafetos dentro dele, pois dentro sempre se colocou no combate as opressões em especial ao machismo e racismo, promovendo palestras e ações de conscientização, levando várias pessoas do movimento social negro para ajudar nesse processo. Na sua tese de mestrado ousou ao debater o racismo que estruturado na instituição, com o titulo da dissertação: “Branco correndo é atleta, Preto correndo é ladrão”, para além disso, sua fama de defensora dos direitos humanos não agradaram uma parte conservadora da polícia, em paralelo a isso , hoje escolhida para representar o PT na disputa eleitoral 2020, alguns irmão e irmãs dizem que não se sentem representados/as por ela por que ela é da PM.
Vamos falar de interserccionalidade?
Essa companheira combateu as opressões interna da PM, então uma parte da instituição não se sente representada por ela, no movimento social negro uma outra parte não se sente representados também, pelas atrocidades cometida pela instituição por Polícia Militar. Akotirene em sua obra “o que é a Interserccionalidade?”, aponta problemáticas parecidas como essa, que no caso de Denice, ela não pode representar uma parte da PM, e não pode representar uma parte do movimento negro.
Precisamos refletir sobre nossas propostas para a sociedade, Salvador está no centro de uma mudança políticas histórica, que vai mudar todo o processo social depois desse ano, não só pela conjuntura política, mas pela pandemia do CONVD-19, que vai deixar um estrago social imenso, onde vamos precisar de uma gestora focada nas pessoas, que saiba o que é de fato ter um transporte público digno, uma creche de qualidade para deixar as crianças, um sistema de saúde eficaz, ruas com saneamento básico, isso não só em teoria intelectual, mas que tem a ver com a vida das pessoas.
Agora é ter responsabilidade não só com nosso umbigo, mas com as vidas de milhares de soteropolitanos/as na sua maioria negras/os que morrem todos os dias nessa capital ou perdem o pouco que tem a cada chuva. Que vivem eternamente em “isolamento social” por uma política centrista e elitista que promovem o apartheid na Roma Negra, não podemos mais aceitar a política de pão e circo que historicamente vem sendo aplicada para nosso povo. Acredito sinceramente que não precisamos ser algozes de nós mesmo, isso os brancos já fazem muito bem, será que não é tempo de refletimos sobre a afetividade negra?
Como diz nosso grande Bob Marley: “África, una-se, porque estamos saindo da Babilônia, E nós estamos indo para a terra de nossos ancestrais”.
* Cristiano Lima é Historiador, Mestrando em Políticas Públicas, Dirigente do PT Salvador e da Direção Estadual da CONEN-Ba.